Fantasma educacional

O fantasma que assombra as escolas pode não ser a falta de qualidade. É a falta de crianças! ⠀ O que acontece quando a educação de excelência não é suficiente para manter uma escola viva? O conto revela um luto silencioso que poucos veem: o fechamento de escolas por falta de matrículas. ⠀ Vale a leitura. Vale o questionamento. Estamos preparados para o futuro da educação em um país que envelhece?

Giselle Nunes

7/14/20252 min read

Lá no horizonte, vejo nova realidade educacional a chegar, lentamente.

Era 2025. O ano acabara de iniciar.

– Que bom vê-la! – disse ele em tom de alívio.

– Oi! Deixe-me aproveitar. “Feliz Ano Novo!” – já em abraço caloroso.

– Não sei se posso concordar com você. O ano já começou ceifando um dos meus maiores prazeres. Será uma grande superação.

Sentamo-nos. O cafezinho chegou. Aflição e angústia eram evidentes na voz e no rosto dele.

– O que houve? Posso ajudar?

Olhos marejados, ele desabafou.

– Terei que fechar a escola. O número de matrículas despencou vertiginosamente.

Me faltaram palavras. Jamais imaginei que uma instituição escolar com 37 anos de vida pudesse morrer. O deixei falar livremente sem interrupções.

– Ter que comunicar aos funcionários está me corroendo. Muitos têm mais de 20 anos na empresa. Isto está acabando comigo. Não durmo a uma semana. Não sei o que fazer da minha vida.

Confesso, meu coração apertou. Tinha estreita relação com toda equipe acadêmica, principalmente com a coordenadora. Mentalmente avaliei. Não era por ineficiência e nem ausência de variedade das aulas extraclasse. O colégio atuava nos segmentos da Educação Infantil e Ensino Fundamental I com a opção de horário integral. Instituição bem-conceituada, em lugar privilegiado não resistiu a escassez de alunos. Entristecido concluiu.

– A única coisa que vem à cabeça é transformar o espaço em casa de festas infantis, assim aproveitaria os brinquedos, a piscina e a cozinha. Quem sabe, até alguns funcionários podem prosseguir nesta empreitada.

Me cabia ouvir e confortá-lo, afinal ele viveria o luto.

– Tenha fé. Acredite. Às vezes, a vida nos coloca à prova e ressignifica nossa caminhada sem ao menos nos comunicar.

– Por mais que tente não consigo enxergar onde errei. – as lágrimas desmoronaram.

– Acompanho o trabalho de vocês há anos. Não vejo erros na qualidade dos serviços educacionais prestados. Também sei que você é rigoroso em relação as finanças. Pode ser algo que fuja ao controle de vocês. Como um ciclo, sabe?

Respirou profundamente. Limpou o rosto com guardanapos de papel.

– É... você pode ter razão. Me resta recomeçar.

Passei a falar trivialidades e trazer leveza à conversa.

Mas, ao nos despedirmos, minha intuição pulsava. Havia algo no ar que fugia ao controle dele, como diretor. O que estaria ocorrendo se o bairro aumentava o número de moradias?

Coincidentemente – não acredito em acasos, na primeira semana de julho ouço reportagem na CNN relatando que só este ano oito escolas, na Inglaterra, fecharam suas portas por inexistência de matrículas suficientes que justificassem o funcionamento. Ter um filho hoje é muito custoso. – assim se referiu o jornalista que tem um filho em colégio inglês.

Existem inúmeros motivos pelos quais uma empresa morre. Mas ao olharmos pelo viés da baixa natalidade, que vem se tornando realidade imperiosa, é preciso repensar o lugar infantil educacional. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já prevê que em 2030, ou seja, daqui há somente cinco anos, o número de pessoas com 60 anos ou mais ultrapassará o número de crianças e adolescentes de até 14 anos. Essa tendência demográfica pode se tornar um fantasma às escolas.

Hora de nos anteciparmos a este fantasma que vem assombrando as instituições de Ensino Infantil.