Desânimo
No carnval de hoje, os tambores ainda tocam, mas o coração da folia já não bate como antes...
Giselle Nunes
7/14/20252 min read


Às vésperas do Carnaval cortejos abarrotavam ruas e vielas da Cidade Maravilhosa. Lá do alto o nonagenário espiava e ponderava. Espichou o olhar para direita e ajustou o foco para as ruas do Jardim Botânico. Cristo Redentor há mais de nove décadas vibrava com os festejos carnavalescos. Viu a transformação se abater à festa. Nostalgia e saudosismo lhe deprimiu mais uma vez.
Bloco quadragenário, se arrastava pelo bairro de palmeiras reais. Na multidão, o número de ambulantes e catadores de latinhas e plásticos aumentara. Sintoma do subemprego. Olhava com pesar os que fuçavam o sustento. Pensava que naquele momento só deveria haver alegria, e não preocupações. Os farristas urinavam, sem qualquer cerimônia, nos pés das árvores. Coitadas! Imagine o fedor. – pensou enrugando o nariz.
Os foliões não interagiam com os músicos. Estes não existiam mais. Agora havia um intruso imponente e mandante da festança: o trio elétrico. Antigamente os cortejos tinham como célula a banda de metais que caminhava juntamente com os foliões. Ah! Que maravilha era ver a banda ladeada pelos farristas. Bons tempos... O monstrengo ainda exalava música desconhecida, o hino do bloco. Que lástima! As pessoas arrastavam os pés. Desânimo generalizado. Ninguém cantava. Ninguém pulava. Ninguém brincava. Pasmaceira. Os pseudos foliões caminhavam de cabeças baixas com olhos nos celulares. O hino do bloco era repetido dezenas de vezes, mas ninguém interagia. Fiasco.
Entristecido, entrou em contato com o Homem da Meia-noite lá de Olinda, que tinha os mesmos 93 anos de existência.
– Oi Homem! Como anda o Carnaval por aí? – quis saber o senhor Cristo Redentor.
– Olá, carioca! Por aqui a festança, a todo o vapor. Cresceu por demais. As ruas, coitadas, lotadas. Mas, tirando os furtados telemóveis, a euforia continua como nunca!
O nonagenário carioca ouviu a tudo ressabiado.
– Mas aí não tem o monstrengo trio elétrico? – questionou duvidoso.
O idoso pernambucano gargalhou.
– Olha “meu rei”, aqui a fuleiragem não se cria. Visse? As bandas, os blocos, os estandartes e o frevo continuam de raiz.
O Cristo murchou como flor desaguada. O Homem percebeu o acanhamento.
– O que o aflige, amigo?
Ele então relatou o que assistira.
O Homem da Meia-noite ouvia a todo testemunho carnavalesco do amigo.
– Amigo, aí no Rio o Carnaval virou vitrine. Chamariz. Comércio. Aqui, os próprios foliões requisitam o tradicional. Mas não sei até quando.
De repente, gritaria.
– Tenho que ir. Os carnavalescos me invocam. Até mais! – e lá se foi o boneco de quatro metros de altura no meio do povo.
O Cristo Redentor refletiu.
Que pena! O Carnaval está fadado. Não sei o que virá, o que será. Mas com certeza não mais foliará como nos velhos tempos.